domingo, 22 de junho de 2008

O Mestre dos Acordes

Carlos Lustosa Filho

Coluna semanal de quarta, dia 02/05/2007





Hoje estarei reproduzindo uma entrevista que fiz com o grande compositor Guinga, que veio em março a Teresina para um show com o Grupo Ensaio Vocal. O conteúdo a seguir está disponível também na data do dia 30/04/2007 na versão eletrônica do Jornal O Dia, inclusive para download (basta fazer clique duplo na página 7 do caderno Metrópole).




A emoção de compor


Carlos Lustosa Filho
Repórter


Guinga, também chamado de Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, é um carioca legítimo, nascido no dia 10 de junho de 1950. Aprendeu a tocar violão sozinho aos 13 anos e afinou sua técnica com aulas do método clássico. Aos 16, já compunha e um ano depois participou do Festival Internacional da Canção. Daí pra frente, muita coisa aconteceu. Instrumentista de mão cheia, Guinga acompanhou e teve suas músicas gravadas por grandes nomes da MPB como Cartola, Beth Carvalho, Clara Nunes e Elis Regina. Apaixonado pela canção, Guinga é um mestre no estilo, sendo admirado pela crítica nacional e internacional. “Casa de Villa”, seu mais recente disco, gravado pela Biscoito Fino, é uma verdadeira aula de música – aliás, como toda a obra de Guinga. Nele, o artista além de mostrar sua bela complexidade musical, dá o tom de sua voz na maioria das canções. O CD é um belo convite ao universo “guingano”, um dos mais admirados da MBP. Recentemente, Guinga esteve pela quinta vez no Piauí para um show com o grupo Ensaio Vocal e concedeu a entrevista a seguir um pouco antes de ensaiar com os artistas locais.







No seu disco mais recente, Casa de Villa, você faz uma mescla entre compositores novos e antigos parceiros. Como está esse trabalho?
Neste disco tem uma participação especial, e vários amigos participando, como Paulo Sérgio Santos, clarinetista; Lula Galvão, guitarrista, e Jessé Sadoc, no trompete, que trabalham comigo há muitos anos. Na realidade, são todos amigos. As composições são oito cantadas e quatro instrumentais. Eu canto as oito músicas, sendo que uma delas tem a participação especial da Paula Santoro, a gente faz um duo. Os compositores que estão comigo no disco são Aldir Blanc, Simone Guimarães, Antonio Guimarães e Paulo César Pinheiro. Tem duas outras com o Edu Kneip, Tiago Amud e Mauro Aguiar; estes são os parceiros jovens. Eu faço questão de falar nome dos meus parceiros mesmo quando eles participam sem letra. Destes, o Aldir e o Paulo César são meus parceiros há vinte e tantos anos. A música fica pra gente continuar a usufruir; nós é que vamos embora.


Como você está vendo o momento atual em que os direitos autorais se perdem com as músicas baixadas via internet, já que você tem uma vida muito intensa como compositor?
Eu sou compositor. Eu sou músico em conseqüência de ser compositor. Sou mesmo um compositor popular de canções. É isso o que eu sou. Eu não vivo como músico, vivi no início da minha carreira. Eu sou músico das minhas músicas e das que eu tenho vontade de tocar (risos).


Você já teve composições gravadas por artistas de todo o Brasil e é muito gravado lá fora, ganha-se muito dinheiro com direitos autorais?
Na verdade, não sou profundo conhecedor. O fato de eu ter trabalhado 30 anos como dentista me dava uma auto-suficiência financeira que eu nunca precisei de direito autoral pra sobreviver. Então, não me aprofundei no mérito de saber o que é que está certo, o que está errado – é até uma falha minha. Hoje em dia eu parei com a Odontologia e nos últimos 20 anos eu praticamente só tenho vivido de música, mas realmente eu nunca fui militante desta área. O que eu posso te dizer é que eu sempre tive uma relação boa com as agências arrecadadoras e vejo os outros que conhecem bem o tema reclamando muito do direito autoral, mas eu não tenho conhecimento para fazer reclamação. Preciso dizer a verdade.


A maioria dos jovens que está começando busca ter uma “profissão de verdade” para poder fazer música com uma certa segurança. Foi assim com você e a Odontologia?
Eu me tornei músico com 17 anos de idade, depois toquei em bailes, acompanhei cantores, trabalhei como músico até me formar em Odontologia pra me sustentar mesmo. Mas não era isso que eu queria pra minha vida, ser músico, viver de acompanhar os outros. Eu sempre fui compositor e para fazer a música que eu queria, eu achei melhor trabalhar como dentista, porque eu iria ganhar melhor e não teria que fazer concessão. Em respeito à música, eu fui ser dentista. (silêncio) Na realidade, eu nunca quis ser dentista e nunca tive nenhum amor pela Odontologia, mas acabei sendo muito agradecido a ela, depois de ter exercido 30 anos e tenho orgulho de ter sido dentista por 30 anos. A vida tem dessas coisas, você também aprende a gostar, né. Você aprende a amar e a desamar também.


Muitas pessoas dizem que certos músicos não têm o destaque merecido nacionalmente, mas que conseguem fama no exterior. Você se acha enquadrado nessa premissa?
Isso aí é uma falta de informação do brasileiro. Dizer que o artista é mais famoso lá fora do que aqui, isso pra mim é uma mentira. Não acredito nisso. Só conheço dois brasileiros que se tornaram mais famosos lá, ou tão famosos quanto no Brasil que são o Sérgio Mendes e o Antônio Carlos Jobim. Fora isso, todos são mais famosos aqui do que lá. A verdade é essa. Quem disser que é mais famoso lá, tá mentindo. O cara pode ter um público lá espetacular, mas dizer que é mais famoso, só se ele renegar o Brasil. Se foi direto para a Europa, pros Estados Unidos... Há casos assim. Conheço músicos brasileiros na Europa que nunca se apresentaram aqui, praticamente. Mas o cara que faz carreira no Brasil, vai pra fora e volta dizendo que é mais famoso lá fora do que aqui... é mentira. Agora, no caso do Sérgio Mendes, do Antonio Carlos Jobim e do Ivan Lins, sim. Os outros são todos mais famosos no Brasil do que lá fora. A verdade é essa.


Como era a sua relação com o Piauí?
Eu pouco sabia sobre o Piauí. Eu vim conhecer o estado depois dos meus 50 anos de idade, a não ser geograficamente nos estudos da minha formação de estudante. Mas eu tenho; sou neto de nordestino, de paraibano. O lado materno da minha família é de Pernambuco e da Paraíba, por isso eu sempre tive um sangue nordestino nas minhas veias. O Piauí é Nordeste. E esta região é uma fonte inesgotável de gênios e de compositores, instrumentistas. O Brasil não teria metade da força musical que tem se não fosse o Nordeste.


Você já gravou vários baiões, o Nordeste te inspira muito?
Muito. Acho que eu sou o carioca que mais fez baião, xote, frevo. (risos)


Você ganhou um destaque muito grande com o disco “Cata-vento e Girassol” (1996), da Leila Pinheiro, muito elogiado pela crítica. Nele há uma nítida influência nordestina.
Tem baião, tem maxixe, maracatu. Nesse disco eu fiz todas as melodias e o Aldir as letras. Tem muito humor, um humor muito fino. O Aldir tem uma inteligência que... é um gênio absoluto.


Para você como é a experiência de tocar com o grupo Ensaio Vocal?
Pra mim isso funciona como uma troca de informação; troca de emoção. Um aprendizado. Eu estou aqui pra aprender. Tô sempre aprendendo, na vida a gente está sempre aprendendo. Eu acredito em alunos, não acredito em professores. Porque o professor só vai ser absorvido se o aluno quiser estudar, não é verdade. Eu acredito em aprender, não em ensinar. Eu estou aqui pra isso. Pra aprender e trocar com eles, trocar música.

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