domingo, 22 de junho de 2008

A deusa estendeu a mão para mim

Carlos Lustosa Filho

Coluna semanal de terça, dia 30/10/2007

 

Bom, eu bem que queria falar sobre o hipermegaultra festival da Tim... como a passagem não deu, o tempo não deu e outras coisas também não deram, pedi ao meu hermano Pedro Jansen (atualmente cosmopaulistano - hehehehe) que me contasse um pouco sobre como foi a experiência dele em meio aos shows. Então, convido vocês para lerem a experiência de meu amigo Pedro que definitivamente foi "acima de todas as palavras" - para usar o jargão do Herbert Viana... heheheh

 



 

A deusa estendeu a mão para mim


Preguiça e preconceito. Senti muito isso pela mocinha da música eletrônica, do experimentalismo, da loucura aparente, da doçura sobrenatural. Senti muito isso a vida inteira. Sempre tive certo cansaço em ouvir Björk, em saber dela, em pesquisar seus sons. Tanto que fui para o Tim Festival com a missão principal de ver o show dos Macacos do Ártico. Os outros seriam meras bandas de abertura.  


Ver a Björk era obrigação primordial para uma/qualquer pessoa que gosta de música. E também curiosidade, já que do disco novo dela, o Volta, as duas primeiras músicas tinham me chamado muito a atenção. E também uma faixa de um disco que minha irmã tinha, mas perdeu. Perceba como meu interesse por Björk era uma coisa assim louvável. 


Pois é, cara, não era mesmo. O ponto é que não foi a música, não foi o visual, não foi a curiosidade que me fizeram crer fortemente que a guria islandesa é a coisa mais próxima de um deus que a música tem/teve desde o Led Zeppelin. Mas sim o simples fato de que você sabe quando está na frente de um deus. Não há como fugir dessa sensação.  


E foi isso que eu senti ao ver Björk vestida, literalmente, de arco-íris. Entrando no palco, pelo lado esquerdo. As cantoras do coral sendo batedoras do seu caminho, correndo levemente, na ponta dos pés. Eu estava bem longe do palco, mas sabia que elas sorriam. Nenhuma outra feição deveria ser possível. Elas cantavam e faziam parte dos sopros das canções. Ao fundo, uma orquestra. Tínhamos também um baterista. E um semi-deus no sample. Na platéia, corações cheios de alegria. E Björk dançando, Björk cantando, apontando, fazendo reverências. Björk correndo de um lado para o outro. Berrando. Ela respirava, ela comandava, tomava partido das nações, delegava trabalhos, ribombava seus desejos, lançava seu olhar sobre as plantações. Ela sabia fazer chover, mas não o fez. Trouxe um frio bom, espantou o calor. Deu água para o gado e afagou a cabeça das crianças. Tudo ao mesmo tempo agora. Björk é a deusa mais linda que eu já vi. 


Earth Intruders, do disco novo, quebrou tudo de cara. Hunter veio depois e levou todo mundo. Meu conhecimento musical a respeito da moça me limita a saber apenas o nome de poucas canções. O que realmente pouco importava. Tudo ali remetia à apoteose, remetia a transe, a um ritual para elevar espíritos. As canções se sucediam, se seguiam, mas a experiência do todo é que contava. A única diferença notável entre os fãs e os parcos conhecedores sobre o trabalho da moça era o balbuciar das letras. De resto, apenas uma massa sorrindo.  


No fim, quando algumas pessoas ainda resistiam à tortura de estar ali e não poder tocar tudo aquilo que era tão lindo logo acolá no palco, ela liderou Declare Independence. Ela cantou mais, enxergou mais, como deusa que é soprou, cuspiu, conjurou pedaços de papel para o alto. Tudo turvo, não se via nada, só papéis, e cores, e sabores. E se sabia, naquele momento, que o mundo era diferente, que as terras estavam mais fecundas, mesmo que apenas dentro de você. Porque uma deusa, vestida de arco-íris, tinha por ali passado. E nada mais foi como era antes.  


 

Declare Independence em duas partes  



 


"Aqui eu quase morro" - Pedro Jansen


 


 

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